#016 - Disclaimer, da Apple TV+, mostra o segredo nas entrelinhas
Disclaimer, no bom português, é um aviso legal. Tipo aqueles: "Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real é mera coincidência".
Catherine Ravenscroft (Cate Blanchett) é uma jornalista de prestígio. Acostumada a contar histórias, nota uma certa estranheza quando encontra um livro misterioso, de autor desconhecido, que narra um daqueles romances passageiros de viagem. A obra conta a história de uma mãe que viaja com o filho pequeno sem a companhia do esposo. Durante a viagem, ela conhece um jovem por quem se apaixona e vive uma relação extraconjugal. Com o desenrolar dos capítulos do livro, Catherine passa a reconhecer a história. Ela, que sempre esteve na posição de quem narra a vida alheia, se vê no papel de personagem. O livro conta um dos capítulos de sua vida que Catherine tenta esconder há muito tempo.
A série mergulha na culpa, na memória e na autoria. Agora, a protagonista precisa descobrir quem escreveu aquilo e a motivação em tentar revelar o segredo escondido nas entrelinhas. Porém, mais do que isso, precisa encarar o que fingiu esquecer. Antes que o passado destrua seu casamento com Robert (vivido por Sacha Baron Cohen, de Borat e Brüno), sua relação com o filho Nicholas (Kodi Smit-McPhee) e, principalmente, a imagem que construiu de si mesma.
Um thriller psicológico em sete partes, Disclaimer tem a sofisticação de quem sabe que está lidando com coisa séria: foi escrita e dirigida por Alfonso Cuarón, dono de cinco estatuetas do Oscar, e estrelado por ninguém mais, ninguém menos do que Cate Blanchett e Kevin Kline. A série é adaptada do romance homônimo de Renée Knight e tem tudo o que um bom livro tem: tensão crescente, estrutura capitular e aquele tipo de prosa visual que nos prende não pelo que diz, mas pelo que deixa em silêncio.
Em Disclaimer, cada episódio funciona como um capítulo fechado. Tem começo, meio e fim. A produção respeita o tempo da leitura do livro, o tempo da digestão e o desenrolar das reações. É justamente esse respiro entre um capítulo e outro que dá à trama sua força. A gente não só assiste, a gente lê com os olhos. E sente com o corpo.
Há também uma inquietação que atravessa toda a série, que talvez nem seja verbalizada, mas pulsa forte. Até onde vai a responsabilidade de quem escreve? Se toda história é uma versão, qual é o limite entre revelação e invasão? Catherine, acostumada a moldar os fatos dos outros, se vê obrigada a confrontar as versões sobre si, e o que emerge daí não é só constrangimento. É vergonha e medo.
O elenco é de primeira. Kevin Kline entrega uma atuação cheia de veneno calmo, Lesley Manville surge como uma brisa gelada na espinha e até Hoyeon (de Round 6) aparece pra provar que beleza e profundidade podem dividir o mesmo plano. A narração sussurrada de Indira Varma pontua os episódios como se estivéssemos lendo o tal livro maldito junto com a protagonista.

Confesso que em alguns momentos a narrativa exige mais do que oferece. A série é lenta, sim. Uma lentidão que pesa e que convida à reflexão. É como um parágrafo difícil de um livro você relê três vezes porque sabe que tem coisa ali. E tem. No final, a gente entende que essa não é só a história de Catherine.
Para mim, Disclaimer não é sobre quem escreveu. É sobre por que a história precisou ser escrita. É sobre a fúria contida de quem nunca teve voz. Sobre a arrogância de quem achou que poderia editar o passado. Sobre como a verdade sempre arranja um jeito de emergir, mesmo que seja pela ficção. Por trás de cada história contada, há uma outra que ficou em silêncio.
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Até a próxima semana! 😉